Numa época de mentiras
universais, dizer a verdade é um ato revolucionário. Se George Orwell estivesse
por ai, seria prontamente acusado de terrorismo eleitoral.
Enquanto insistirem em falar
mentiras sobre os “neoliberais”, cumprirei o compromisso de falar verdades
sobre o governo.
Há dois elementos
constrangedores envolvendo o governo Dilma: a incompetência e a desonestidade
intelectual - essa última conhecida popularmente como hábito da mentira.
Inventam o que querem para
evitarem a mudança de endereço. Abaixo listo as dez mentiras que mais me
incomodam, cujas implicações ao seu patrimônio podem ser substanciais.
Restrinjo-me a questões de
economia e finanças. Não imagino que a mitomania limite-se a essa área, mas
prefiro manter-me no escopo, por uma questão de pertinência desta newsletter.
Ao não reconhecer os erros,
mantém-se a rota errada da política econômica. Bateremos de frente com uma
crise financeira em 2015.
1. “A
crise vem de fora.”
Esse é o discurso oficial para
justificar a recessão técnica em curso no Brasil. O que os dados podem nos
dizer sobre isso? Comecemos do mais simples: o crescimento econômico do Governo
Dilma será, na média, dois pontos percentuais menor àquele apresentado pela
América Latina. Nos governos Lula e FHC, avançamos na mesma velocidade dos
vizinhos.
Indo além, há de se lembrar que
a economia mundial cresceu 3,9% em 2011, 3% ao ano entre 2012 e 2013, e deve
emplacar mais 3,6% em 2014. Nada mal.
Comparando com o pessoal mais
aqui ao lado especificamente, Chile, Colômbia e Peru, exatamente aqueles que
adotaram políticas econômicas ortodoxas e perseguiram uma agenda de reformas na
América Latina, cresceram 4,1%, 4,0% e 5,6% ao ano, entre 2008 e 2013.
Enquanto isso, a evolução média
do PIB brasileiro na administração Dilma deve ser de 1,7% ao ano.
A retórica oficial, desprovida
de qualquer embasamento empírico, continua ser de que a crise vem de fora.
Aquela marolinha identificada pelo presidente Lula, lá em 2008, seis anos
atrás, ainda deixando suas mazelas.
2. “A política neoliberal vai aumentar
o desemprego.”
Não há como desafiar o óbvio de
que o produto agregado (PIB) depende dos fatores de produção, capital e
trabalho. Ora, com o PIB desabando por conta da política econômica heterodoxa,
cedo ou tarde bateremos no emprego.
Podemos não conseguir precisar
qual a exata função de produção, ou seja, de como o PIB se relaciona com o
nível de emprego, mas não há como contestar a existência de relação entre as
variáveis.
O crescimento econômico da era
Dilma é o menor desde Floriano Peixoto, governo terminado em 1894, subsequente
à crise do encilhamento. Há uma transmissão óbvia desse comportamento para o
emprego.
Os dados do Caged de maio
apontaram a menor geração de postos de trabalho desde 1992. Em sequência, junho
foi o pior desde 1998. E julho, o pior desde 1999. O dado de setembro, recém
divulgado, foi o pior desde 2001.
Quem vai gerar desemprego é a
nova matriz econômica - não o fez ainda simplesmente porque essa é a última
variável a reagir (e a única que ainda não foi destruída).
3. “A oposição quer acabar com o
reajuste do salário mínimo.”
Essa é uma mentira escabrosa
por vários motivos. O primeiro é trivial: o candidato da oposição (embora
pareça haver dois, há apenas um) já se comprometeu, em dezenas de oportunidades,
em manter a política de reajuste de salário mínimo.
Ademais, quando Dilma se coloca
como a protetora do salário mínimo, está simplesmente contrariando as
estatísticas. O aumento real do salário mínimo foi de 4,7% ao ano entre 1994 e
2002, de 5,5% ao ano entre 2003 e 2010, e de 3,5% ao ano entre 2011 e 2013.
Ou seja, o reajuste do mínimo
na era Dilma é inferior àquele implementado por Lula e também ao observado no
período FHC. Ainda assim, Dilma se coloca como o bastião em favor do salário
mínimo.
4. “A
política neoliberal proposta pela oposição vai promover arrocho salarial.”
Esse ponto, obviamente, guarda
relação com o anterior. Destaquei-o mesmo assim porque denota a doença de
ilusão monetária ou uma tentativa descarada de enganar a população.
Arrocho salarial já vem sendo
promovido pela atual política econômica, por meio da disparada da inflação. O
salário nominal, o quanto o sujeito recebe em reais no final do mês, não
interessa per se. O relevante é como e quanto esse numerário pode ser transformado
em poder de compra - isso, evidentemente, tem sido maltratado pela leniência no
combate à inflação.
Precisamos dar profundidade
mínima ao debate. Se você consegue aumentos sistemáticos de salário acima da
produtividade do trabalhador, a contrapartida óbvia no longo prazo é a
inflação, que acaba reduzindo o próprio salário real.
O que os “neoliberais” querem é
perseguir aumentos de produtividade maiores e duradouros. Isso permitiria dar
incrementos de salário substanciais, sem impactar a inflação.
Caso contrário, aumentos do
salário nominal serão corroídos pela inflação.
5. “O Brasil quebrou três vezes.”
O Brasil quebrou uma única vez,
em fevereiro de 1987, no governo Sarney, quando foi decretada a suspensão do
pagamento dos juros da dívida externa.
Quebrar é uma definição
explícita e até mesmo técnica, ligada à moratória, o que é bem diferente de
recorrer ao FMI, grosso modo um acesso a um dinheiro barato, sem mito ou
fábula.
Durante o governo FHC, houve
três empréstimos do FMI: i) durante a transição do câmbio fixo para flutuante
entre 1998 e 1999; ii) durante a crise de 2001, ano especialmente difícil por
conta da quebra (verdadeira) da Argentina; e iii) em 2002, por conta da chegada
ao poder de Lula, que impusera aos mercados grande incerteza e, por
conseguinte, enorme fuga de capitais.
Bom, mas como verdades não são
o forte da campanha, logo ouviremos de novo sobre as três vezes que o Brasil
(não) quebrou.
6. “A
política monetária foi exitosa.”
A frase foi proferida por
Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, em seminário nos EUA sobre
política monetária. A inflação brasileira já estourou o teto da meta, de 6,50%
em 12 meses, ignorando o princípio básico de um sistema de metas, em que o
centro do intervalo deve ser perseguido. A banda de tolerância de dois pontos
existe apenas para abarcar choques exógenos.
O IPCA de setembro aponta
variação de 6,75% em 12 meses, estourando o limite superior do intervalo.
Transformamos o teto no nosso
objetivo e represamos cerca de dois pontos de inflação através do controle de
preços de combustíveis, energia e câmbio.
Esse é o tipo de êxito que
esperamos da política econômica?
7.
“Precisamos de um pouco mais de inflação para não perder empregos.”
Para ser justo, a frase, ao
menos que seja de meu conhecimento, não foi dita ipsis verbis por nenhum membro
do Governo. Entretanto, a julgar pelas decisões e diretrizes de política
monetária, parece permanecer o racional da administração petista.
O velho trade-off entre
inflação e crescimento, em pleno século XXI?
Bom, antes de entrar no debate
acadêmico, pondero que poderia até ser verdade se houvesse, de fato,
crescimento. Conforme supracitado, não é o caso.
Ignorando esse fato e fingindo
que vivemos crescimento econômico pujante, a questão sobre o trade-off entre
inflação e crescimento parece apoiar-se numa discussão tacanha sobre a Curva de
Phillips.
O debate até faria sentido se
estivéssemos nos idos de 1970. Dai em diante, Friedman, Phelps e outros
destruíram o argumento de mais inflação, mais emprego.
A partir da síntese de 1976,
naquilo que ficou batizado de crítica de Lucas, com trabalhos posteriores
sobretudo de Kydland e Prescott, a fronteira do conhecimento passou a
incorporar a ideia de que o trade-off entre inflação e desemprego existe apenas
a curtíssimo prazo.
Ao trabalhar com uma inflação
sistematicamente mais alta, rapidamente voltamos a um novo equilíbrio, com
nível de preços maior e o mesmo nível de emprego original.
E, sim, o espaço aqui está
aberto para o pessoal da Unicamp rebater o argumento de Lucas (professor
Belluzzo incluindo, sem nenhum tipo de enfrentamento aqui; convite educada e
genuinamente a um derbi das ideias). Criticam-nos por ouvir apenas a oposição e
ignoram que eles declinam nosso convites - só pode haver vozes governistas e/ou
heterodoxas em nossos eventos se elas aceitarem participar, certo? Lembre-se:
fizemos o convite ao competente Nelson Barbosa, que, infelizmente, não pode
comparecer por incompatibilidade de agenda.
8. “As
contas públicas estão absolutamente organizadas. O superávit primário, embora
menor do que em 2008, é um dos maiores do mundo. Dizer que há uma
desorganização fiscal é um absurdo.”
A preciosidade foi dita pelo
ministro Guido Mantega em entrevista ao jornal Valor. O superávit primário do
setor público não é somente menor àquele de 2008. No primeiro semestre, foi o
menor da história, em R$ 29,4 bilhões.
Agosto marcou o quarto mês
consecutivo de déficit primário, de modo que o acumulado está em R$ 10,2
bilhões.
O superávit acumulado no ano
até agosto é de 0,3% do PIB, enquanto a promessa do governo (para segurar o
rating) é entregar 1,9% do PIB.
Essa é a herança que a
“absoluta organização das contas públicas está nos deixando.”
9.
“Nunca foi feito tanto pelo pobre neste país.”
Intuitivamente, você já poderia
desconfiar da afirmação quando pensa na inflação, que é um fenômeno
essencialmente ruim para as classes mais baixas. Os abastados têm um estoque de
riqueza aplicada em ativos que remuneram acima da inflação. Logo, estão em
grande parte protegidos. A inflação é um instrumento clássico de concentração
de riqueza.
Mas há de ser além da simples
intuição, evidentemente. Estudos mais recentes indicam que, depois de 10 anos
consecutivos em queda, a desigualdade de renda no Brasil parou de cair de forma
estatisticamente significativa em 2012. Documento IPEA n 159 é categórico em
dizer que a concentração de renda no Brasil cai sistematicamente até 2012; a
partir daí, há dúvidas.
O índice de Gini apresenta
queda marginal entre 2011 e 2012, enquanto as curvas de Lorenz dos dois anos
estão sobrepostas, indicando, grosso modo, estagnação na melhora.
Ainda mais problemático, estudo
encomendado pelo IPEA a partir de dados do Imposto de Renda mostra concentração
de renda entre 2006 e 2012 - em 2012, os 5% mais ricos do País detinham 44% da
renda; em 2006, o percentual era de 40%.
A política econômica heterodoxa
não cresce o bolo e também não o distribui de forma mais equitativa.
10. “A oposição faz terrorismo
eleitoral.”
Se você compactua com um dos
nove pontos anteriores, você é um terrorista eleitoral, egoísta e interessado
apenas em si mesmo. Provavelmente, é financiado por um dos candidatos de
oposição.
Enquanto isso, a situação acusa
a candidata oposicionista de homofóbica e de semelhanças com Fernando Collor.
Sim, ele mesmo, parte da base de apoio da....situação.
Seríamos nós, analistas e
economistas, os terroristas?
Essa é a herança que fica para
2015. Você tem dois caminhos a adotar: o primeiro é esperar as consequências
materiais dessa gestão desastrosa sobre seu patrimônio, e o segundo é começar a
se mexer, de modo a proteger ou até mesmo aumentar suas economias.
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