ISTO É INDEPENDENTE
N° Edição: 2322 | 23.Mai.14 - 20:50 | Atualizado em 24.Mai.14 - 17:04
A intocável Camargo Corrêa
Toda vez que uma investigação ameaça a empreiteira, provas são anuladas, delegados trocam de função e inquéritos terminam
engavetados
Nove
em cada dez escândalos de corrupção no Brasil têm a participação de
empreiteiras. Nos inquéritos, elas sempre aparecem despejando dinheiro nas
campanhas eleitorais, emprestando jatinhos e outras benesses aos
poderosos. Nos últimos anos, algumas delas foram pegas
em operações da Polícia Federal e acabaram banidas do mercado. Isso
ocorreu com companhias pequenas como a Gautama, mas também com grandes
como a Delta.
Uma delas, porém, permanece intocável. Toda vez que uma
investigação da Polícia Federal ou do Ministério Público ameaça a
gigante Camargo Corrêa, provas são anuladas, delegados são removidos de
função e inquéritos acabam engavetados.
A PROTEGIDA
Quando a Operação respingou na Camargo Corrêa, o inquérito foi paralisado.
O mesmo ocorreu durante as investigações da Castelo de Areia
Assim
ocorreu na segunda-feira 19, com a decisão do ministro Teori Zavascki,
do Supremo Tribunal Federal, de suspender todas as ações penais e
inquéritos relacionados à Operação Lava Jato, investigação sobre esquema
de lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 10 bilhões. Por meio de
liminar, Zavascki determinou ainda a libertação dos 12 réus, inclusive
do ex-diretor da
Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. No dia
seguinte, reconsiderou a medida e manteve a prisão de 11 dos
investigados, deixando em liberdade apenas Costa. O ministro entendeu
que a competência para investigar o caso é do STF, uma vez que há
indícios da participação de parlamentares, que possuem foro
privilegiado.
Até então responsável pelo inquérito, o juiz da 13ª
Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, seguia investigando o caso, mas
havia separado e enviado ao Supremo a parte que citava os deputados
André Vargas (ex-PT-PR) e Luiz Argôlo (SDD-BA). Zavascki considerou a
medida insuficiente e acusou Moro de extrapolar suas funções. Agora, só
depois de analisar todos os oito processos vinculados ao inquérito
central da Lava Jato é que o ministro se pronunciará sobre o rumo do
caso. Ele pode desmembrar e mandar para primeira instância quem não tem
foro privilegiado ou decidir julgar o caso num bloco só,
cabendo ao STF toda a instrução penal e o julgamento.
A decisão de
Zavascki foi tomada um dia depois de surgirem novos indícios do
envolvimento da Camargo Corrêa no esquema de Youssef. Ao analisar
grampos e mensagens de texto interceptadas, a PF descobriu que o
personagem citado pelo doleiro como “Leitoso” era Eduardo Leite, nada
menos que o vice-presidente da empreiteira. Líder do consórcio CNCC, que
constrói a Refinaria de Abreu e Lima, a Camargo Corrêa virou alvo da
Lava Jato por ter repassado R$ 29,2 milhões a empresas do doleiro. Como
as empresas do doleiro eram de fachada, a PF suspeita que o dinheiro
teria sido usado para o pagamento de políticos. O Tribunal de Contas da
União (TCU) encontrou indícios de superfaturamento nas obras de
terraplanagem de Abreu e Lima. As obras como um todo estão atrasadas e o
custo global disparou dos US$ 2,5 bilhões iniciais para quase US$ 20
bilhões.
PRISÃO
Em 2009, um dos
diretores da Camargo Corrêa foi preso durante operação
da Polícia Federal. O inquérito, que também incriminava
políticos influentes, foi suspenso meses depois
Nas
mensagens interceptadas pela PF, o vice-presidente da Camargo Corrêa
parece ter uma relação próxima com Youssef, que o chama de “amigo” e
reclama a um interlocutor que estava com dificuldades de cobrar um
empréstimo de 12 milhões – a PF não sabe se dólares ou reais. “Tô com um
pepinão aqui na Camargo que você nem imagina. Cara me deve 12 paus (R$
12 milhões ou US$ 12 milhões), não paga. Pior que diretor é amigo,
vice-presidente é amigo”, escreveu o doleiro.
Com a possível
estagnação das investigações da Lava Jato, repete-se o enredo de
impunidade ocorrido em 2009 no âmbito da Operação Castelo de Areia.
Presidido pelo juiz Fausto De Sanctis, o inquérito tinha como alvo
principal a Camargo Corrêa, acusada de crimes financeiros e lavagem de
dinheiro. A procuradora Karen Louise Khan apresentou denúncia contra
três executivos da Camargo: Pietro Francesco Bianchi, Darcio Brunato e
Fernando Dias Gomes. Assim como agora, o caso também envolvia um
doleiro, chamado Kurt Paulo Pickel, indiciado por evasão de divisas e
câmbio ilegal.
Os diretores teriam pago propina a políticos, partidos
e agentes públicos para vencer a licitação de grandes obras, entre elas
a construção de 23 embarcações para a Transpetro. O dinheiro era
enviado para contas em nome de offshores por meio do doleiro. No curso
das investigações, a PF apreendeu na casa de Bianchi um arquivo de 54
planilhas com nomes de políticos e valores de “caixa 2” pagos pela
empreiteira. Surgiram nomes de peso, como o do ex-diretor da Eletronorte
Adhemar Palocci, irmão do ex-ministro Antonio Palocci. Em janeiro de
2010, a ação penal contra os diretores foi suspensa por liminar do então
presidente do STJ, ministro César
Asfor Rocha. Em abril de 2011, a 6ª Câmara daquela Corte decidiu anular
todas as provas obtidas pela quebra generalizada de sigilo telefônico
com base em denúncia anônima.
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